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Só um pedido: #DeixaElaTrabalhar

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Por Juliana Lisboa

Pra quem viveu fora do planeta Terra desde semana passada, esse é um movimento que ganhou corpo quando agressões a jornalistas esportivas foram parar em rede nacional e social. Não é pra menos: xingamentos e beijos forçados são mais fáceis de detectar. Ainda mais quando acontecem ao vivo. Fica difícil não sentir repulsa, ainda que muita gente tenha tentado jogar panos quentes. Não dá pra desver, né?

Mas tem também aquele torcedor que questiona sua credibilidade quando você passa uma informação em primeira mão. Tem coleguinha que quer te dizer como conduzir sua pauta, como se você não tivesse competência pra isso. Tem quem diga que se você está na TV é porque “tá dando pra alguém”. Se você gosta de futebol é sapatão. Se vai pro estádio é pra procurar homem. E se ouvir um “gostosa” e não retrucar é porque gosta, não porque você ficou constrangida a ponto de não conseguir responder. O #DeixaElaTrabalhar também vale pra isso.

Amo o meu trabalho e adoro o ambiente do futebol. Fui setorista do Vitória até o final do ano passado e continuo cobrindo o clube pela TV, e, sinceramente, não gostaria de fazer outra coisa. Mas a gente engole muito sapo de torcedor, de jogador, até mesmo de funcionários do clube. E é quase todo dia alguém testando seu conhecimento, fazendo piadinha de duplo sentido (sério, gente?), ou até mesmo passando cantada. Juro, já aconteceu.

É tanta coisa mais sutil que a gente enfrenta no dia a dia que acaba desenvolvendo uma “casca” pra não perder a compostura (trabalho, né mores?) e olha, não era pra gente ter que criar. Era pra gente expor o tempo todo porque isso não é normal, não pode ser visto como algo que faz parte do trabalho, porque não é relacionado ao trabalho. É relacionado ao machismo. À falta de educação. À falta de respeito.

E vou mais além: acho que o #DeixaElaTrabalhar é importante, sim. Mas isso é o mínimo. Pedir para deixarem você fazer o seu trabalho sem precisar se preocupar com a roupa que você está usando, em não ser assediada sexualmente, em não passar vergonha em rede nacional porque um infeliz se sentiu no direito de roubar um beijo seu ao vivo, de não ser exposta numa coletiva de imprensa quando você faz uma pergunta que incomoda o entrevistado.

Isso é pouco. Não basta deixar a mulher trabalhar, tem que criar condições para que ela trabalhe. Tem que valorizar o trabalho bem feito. Tem que remunerar e não dizer que “vai dar visibilidade”. A gente não precisa só de visibilidade. A gente precisa ter espaço pra crescer. Pra que a gente tenha mais jornalistas, mas também mais editoras, mais comentaristas, mais narradoras. E que a desigualdade no esporte vá diminuindo, até não existir mais.

Juliana Lisboa é jornalista, repórter de esportes da TV Aratu.


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