Tinha um pessoal muito animado para mandar os jogos na Fonte e, se tem que ir, a gente vai mesmo, mas era óbvio que os torcedores do Vitória sentiriam muito as diferenças entre os estádios. A cultura de torcer do rubro-negro não combina com a arenização.
Quando o contrato com a Arena foi fechado, a torcida se dividiu entre dois sentimentos: a saudade antecipada do Barradão (associada ao temor sobre o que será feito dele) e a animação por voltar a jogar na Fonte Nova. Guardamos boas recordações do estádio, nossa casa por uma parcela significativa da nossa história. Além disso, o fato de ter metrô na porta, ser centralizado, coberto e teoricamente mais confortável poderia significar uma boa ideia. Mas bastou um jogo para que os torcedores percebessem que nosso apreço ao Barradão tem razão de ser.
A começar porque a Toca é o que se convencionou chamar de estádio raiz.
Não temos o conforto de cadeiras, mas a grande mobilidade das largas arquibancadas de concreto. Vamos combinar que aquelas cadeiras da Arena são muito estreitas, você precisa ficar confinado e não tem mobilidade. Para passar, a fileira inteira tem que se levantar. Sair no meio do jogo para comprar algo ou ir ao banheiro é um constrangimento.
Pelo fato de só haver duas divisões (cadeira e arquibancada), no Barradão podíamos juntar uma galera para assistir aos jogos juntos. Agora cada um fica em um setor. Bronze, topázio, prata, rubi, ouro, diamante: sua capacidade financeira define com quem irá confraternizar na hora do gol. No último jogo, sócios não puderam assistir à partida com um amigo que comprou ingresso. O anel intermediário norte e leste, que será ocupado pelo plano rubi, ainda não comercializado, ficou vazio, gerando imagens que escancararam a divisão.
Acabou o primeiro tempo e queria continuar atrás do gol? Era só trocar de lado (os míopes agradeciam)! Agora temos que nos restringir ao lugar que nos foi imposto. Até a TUI foi excluída de detrás do gol, lugar que historicamente ocupou, no Barradão ou na Fonte, onde a maior torcida do rival também fica. Segundo informado, a maioria dos seus integrantes é sócio prata e não puderam acessar o anel inferior. Por mais que tenhamos críticas a fazer à maior organizada do nosso clube, não podemos negar que faz muita falta quando eles entram sem a bateria. Vale perder a nossa característica de caldeirão por uma lógica financeira?
Choque de cultura (isso tem que ser falado)
Não é mimimi. Estamos acostumados com espaço, mobilidade, liberdade, ausência de divisão social. A nossa cultura de torcer estava afastada do processo de arenização, mais do que desconfiávamos.
Deu para perceber também, pelos comentários do rival, que eles estão totalmente adaptados e moldados a este modelo excludente, elitista, , frio, higienizador. Justificam as diferenças dos preços, as divisões. Defendem a lógica do dinheiro. Ainda há os debates sobre o “senta, senta” e sobre o pessoal que assiste aos jogos das escadas. Gente, o Barradão é uma grande escadaria, nós nunca precisamos sequer cogitar ter que ficar nas escadas. Triste fim, espero que não aconteça com a gente.
E pelo fato de termos estádio, é muito estranho que as decisões fundamentais sobre o assunto não esteja em nossas mãos. Por exemplo, é compreensível que haja uma limitação de ingressos vendidos a sessenta, noventa, cento e vinte reais, mas será que a localização geográfica dos setores não pode ser adaptada à nossa realidade?
Valores diferentes para produtos diferentes
Como li no Twitter dia desses: a gente vai assistir à partida ou ver o estádio? Claro que se o produto é diverso, a lógica impõe diferença na precificação do “espetáculo”. Será que até o preço do ingresso para ver Vitória e São Bento tem que ser o mesmo que o do rival quando enfrenta, sei lá, o Flamengo?
Porque não colocar nos três anéis atrás do gol os sócios prata, que devem representar de 70 a 80% dos sócios-torcedores (aqueles que não abandonaram o clube nem por presidentes sofríveis nem por times horrorosos), respeitando a quantidade de cadeiras disponibilizadas para este valor? Resolveria o problema da organizada, além de diminuir o baque da mudança para estes sócios, acostumados a ver o jogo nesta parte do estádio.
Note que esta coluna não está criticando a ida para a Arena, que nos parece ter sido de fato necessária. Mais do que nunca precisamos nos associar, ir aos jogos, consumir os produtos oficiais… o clube precisa do seu torcedor para sair dessa. Mas nos cabe ser críticos e defender o que entendemos correto enquanto torcedores. Me mantenho sócia e jamais abandonarei o meu clube e é exatamente por isso mesmo que levantamos tais questionamentos. A Arena é uma realidade, mas certas coisas não aceitaremos sem questionar.
Ignorar que o Vitória é um clube popular é desconhecer a realidade financeira da torcida do Vitória, que em sua maior parte se encontra nas classes menos abastadas. Isso deve ser levado em consideração quando das decisões acerca do estádio, sob pena de não batermos as metas necessárias ao cumprimento do contrato. No mais, seremos uma torcida raiz em um estádio nutella. Deus nos proteja!