Início Colunas Memórias do Leão Em 1956: primeiro BaVi do futebol feminino foi sinal de resistência

Em 1956: primeiro BaVi do futebol feminino foi sinal de resistência

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O que é que a baiana tem? Caymmi fez esta pergunta há cerca de oitenta anos e deu a deixa. Apesar disso, o período da conturbada política do Estado Novo, de Getúlio Vargas, viria a impor cerca de dois anos depois, em 1941 a proibição da prática do futebol pelas mulheres em território brasileiro. Mas Caymmi já havia escrito, e Carmen já havia cantado: que a baiana tem graça como ninguém.

Foi cerca de 15 anos depois da tal lei de proibição, já vivendo num estado democrático de eleições diretas que ainda conservava a sanção ao futebol feminino, que as desportistas soteropolitanas deram um tom de “ozadia” ao futebol. Afinal, a Bahia tem um jeito, que nenhuma terra tem. E assim foi, o Vitória reuniu em seus quadros as principais atletas das outras modalidades do clube, como o vôlei, o atletismo e o basquete e mais uma vez foi pioneiro do desporto em terras baianas.

As jogadoras rubro-negras posaram ao lado do prefeito Hélio Machado no gramado da Fonte Nova. (Créditos: Sport Ilustrado)

Ignorando a proibição instituída pelo Conselho Nacional de Desportos, e encorajadas pela imprensa local, as formações de Bahia e Vitória entraram em campo no dia 22 de outubro de 1956 no estádio da Fonte Nova para um jogo de caráter amistoso com dois tempos de trinta minutos. A expectativa foi tanta em torno do clássico que o confronto de profissionais pelo Campeonato Baiano entre Galícia e Guarany ficou como jogo preliminar. Os ingressos foram vendidos a preços populares e na metade do preço para as mulheres e o estádio lotou para ver o embate da dupla BaVi. Até mesmo o então prefeito de Salvador, Hélio Machado, esteve presente no dia.

Em campo, não deu outra. Após o pontapé inicial dado pela cantora Ivete Garcia, com a habilidade mostrada pelas novas representantes do futebol rubro-negro, o Vitória venceu o jogo com sobra, pelo placar de 3 a 1. Aos 18 minutos, Doramita, atleta oriunda do vôlei do Decano e principal destaque do jogo, marcou o primeiro em campo num chute de fora da área. Quatro minutos depois, Nilza em mais um chute fora da área marcou o segundo. E aos 28 do segundo tempo as Leoas marcaram o terceiro com Laise. Já ao Bahia, que não se impôs em campo, restou o tento marcado por Lilita como gol de honra.

Em um dos momentos do jogo, Nilza chuta de fora da área contra a meta tricolor. (Créditos: Sport Ilustrado)

“Houve dribles, cortadas espetaculares, centros e chutes certeiros e bem endereçados. Houve vibração, minuto a minuto, com as torcidas divididas representando os dois mais tradicionais rivais desportivos do estado. (…) Venceu no final a representação rubro-negra. O Vitória positivamente foi melhor equipe, mais técnica e com melhor noção de jogo. Suas atletas com maior desenvoltura e “tombo”, rapidamente se assenhoraram da situação e chegaram ao final do encontro com um significativo 3 x 1 no marcador em dois tempos jogados de trinta minutos cada.” (Sport Ilustrado)

Além do sucesso das rubro-negras em campo, a renda que chegou a boa marca de 400 mil cruzeiros, foi revertida para o Instituto de Cegos e pra Campanha contra o Câncer. As atletas mais destacadas em campo também foram premiadas. O feito repercutiu em jornais da então capital federal – Rio de Janeiro -, como O Globo, Jornal dos Sports e Sport Ilustrado, como um acontecimento esportivo inédito. Além disso, nos anos que se seguiram o Vitória continuou na prática do esporte e sendo bem prestigiado, apesar das retaliações do CND e da Liga Católica Baiana. Esta última porém, pode observar no BaVi de 1956 que toda menina baiana tem encanto, que Deus dá.

Ficha técnica:

Vitória 3 x 1 Bahia
Data: 22/10/1956
Local: Fonte Nova
Renda: Cr$ 400.000
Gols: Doramita, Nilza e Laise (Vitória); Lilita (Bahia)
Vitória: Grijalva (Olga), Rosalinda, Lindaura e Élnia. Doramita e Darci; Laise, Ivonildes, Nilza, Lindinalva e Tereza Maria
Bahia: Emília (Zilda), Lilita e Joselita (Elizabete); Marlena, Antônia e Alvidéia; Neinha (Avani), Altamira, Edna, Aidil e Maria Lúcia.


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