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Todo dia um áudio diferente culpando o torcedor

Até quando teremos áudios do Presidente colocando a culpa nos torcedores? O que leva uma pessoa a se manter sócio do Vitória?

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Foto: Mário Pinho/Arena Rubro-Negra

Fim da parada para a Copa América.

É uma terça-feira chuvosa e quem tem algum juízo cogita não assistir Vitória x Cuiabá no Barradão. O jogo é 19h30 (esse horário infeliz para quem trabalha ou estuda), chove e as perspectivas não são exatamente boas: nenhuma contratação de peso foi anunciada no último mês de pausa. Mas a gente não aguenta. Vários amigos que disseram que não iam acabaram indo, fora os de sempre, que não faltam, faça chuva ou faça sol.

Neste jogo em particular tínhamos um estímulo extra para comparecer, pois Wagner Moura garantiu que assistiria o jogo com o pessoal da Brigada Marighella. Mesmo achando que ele só passaria para dar um oi, tínhamos a obrigação de estar lá esperando o convidado famoso.

Chegar ao estádio foi particularmente penoso desta vez. Sem carro e sem carona, visto que ninguém estava exatamente animado para ver o confronto, peguei um ônibus, então o metrô e desci na Estação Flamboyant. O app de viagens não estava funcionando, o que me impediu de fazer a última parte do percurso como de costume. Fui obrigada a testar a nova linha de ônibus até o Barradão e parece que faz diferença quando o Secretário de Transportes é Presidente do Conselho, porque de fato o buzu não demorou nada. Dois ônibus e duas linhas de metrô depois, estava no Manoel Barradas. Uma hora e dez minutos de deslocamento.

Cheguei faltando minutos para o jogo começar, não encontro ninguém no estacionamento, entro sozinha. “Meu Deus, é muito amor, preciso encontrar minha carona para voltar, senão tô lenhada”. Ir para o Barradão sozinha é complicado e o fato de ser mulher piora as coisas, mas vamos deixar este assunto para outro dia.

A partida já havia começado, ainda na escada ouvi o primeiro palavrão. Aquela palavra que começa com D que só nós baianos sabemos falar corretamente. Sorri. É muito doida essa relação, mas sem corneta não há rubro-negro, “que saudade que estava disso”, pensei. Fui encontrando as pessoas, soube que de fato Wagner estava com o pessoal da Brigada, me juntei feliz a eles. Que galera massa! Que homem legal! Gente como a gente mesmo, fora a galera tirando foto, não se distinguia dos demais. Viu o jogo inteiro da arquibancada, refutando qualquer privilégio que poderia ter por ser um torcedor ilustre. O Vitória, também, nem pra fazer um golzinho…

Mas eu estava em casa.

É uma loucura a sensação de pertencimento àquele estádio. Uma vez ali dentro, vendo sempre as mesmas caras, pegando uma cerveja com a mesma senhora, no mesmo bar, a partida é apenas um detalhe. Um amigo uma vez me disse: “o jogo é apenas uma parte da Experiência Barradão”. De fato. Se dependesse só do baba, não haveria 4 mil pessoas em Canabrava naquela terça-feira chuvosa.

Perdemos de novo, desta vez ao lado de um telespectador famoso. Fiquei com vontade de chorar, como tem sido nos últimos jogos. “O que fizeram com o meu Vitória, meu Deus?”. Tenho certeza que você, leitor, também se pergunta.

Não quero romantizar o sofrimento, porque para manter uma base considerável de sócios é preciso resultados em campo, vantagens com parceiros, fidelização – afinal o plano de sócios é um produto -, mas a mensagem de hoje é de reconhecimento pelos torcedores que compareceram ontem. Inicialmente eram 7 mil, que se transformaram em 5 mil e ano passado chegaram a 2 mil torcedores. Não há absolutamente nada, além do grande amor pelo clube, que leva aquelas pessoas a estarem ali. Abnegados.

É por olhar ao redor e perceber a existência dessas pessoas que não admito que levantem a voz para colocar na torcida a culpa por coisa alguma. A responsabilidade pelo buraco em que se encontra o Esporte Clube Vitória não é do torcedor que não se associa ou não paga o boleto do plano de sócio-torcedor.

O primeiro ponto é que associação é uma importante fonte de renda, mas não a única. Além disso, não dá para cobrar presença se os resultados em campo não vêm. Se o programa de sócios não oferece quase nada, sendo na prática um mero pacote de ingressos. Se os ingressos e os planos têm seu valor aumentado, sem nenhuma contrapartida. Se o torcedor não se sente acolhido ou representado.

Até quando teremos áudios do Presidente colocando a culpa nos torcedores? O que leva uma pessoa a se manter sócio do Vitória?

Se o Presidente não faz essa reflexão, façamos nós.


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