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O LEÃO MARINHO, UMA IMPOSSIBILIDADE INDOMÁVEL

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Desde que comecei a rabiscar bobagens sobre o ludopédio e outras mumunhas, e lá se vão algumas décadas, jamais enfrentei uma angústia nem parecida com a deste momento. O fantasma da folha em branco, que já rendeu ótimas crônicas a quem possui talento, agora assombra este rouco, cabeludo e inábil locutor de modo inoxidavelmente indelével, seja lá que porra isto signifique.

Sim, minha comadre, a verdade, esta menina traquina que nem sempre salva e liberta, é uma só: escrever algo sobre Mário Sérgio Santos Costa sem soar patético é tarefa/castigo que não desejo a ninguém. Tentar dar um lastro de realidade é inútil. Apelar à melodramática grandiloquência é escorregar pelo óbvio.

Porém, em se tratando do genial e arisco Camisa 7, deixar a folha em branco é uma sinuca de bico dos 600 DEMÔNHOS, algo inexoravelmente impossível. Opa, pronto. É isso. Marinho é uma impossibilidade. Não aquela tradicional impossibilidade intransitiva, mas aqueloutra, mágica e irrefutavelmente bela.

Mas chega. É hora de sairmos dos labirintos metafóricos e adentrarmos na realidade, não sem antes lembrarmos que a realidade de Marinho é coisa mais espantosa do que qualquer ficção. À priori, ele desafia a lógica do deus mercado, este diabólico ser que impera sobre todas as relações. Sim, é inacreditável que um gênio daquele porte esteja desfilando o esplendor dos seus 26 anos em um time periférico como o nosso querido, amado, idolatrado, salve, salve Esporte Clube Vitória. É isso. Ele contraria até mesmo a mais gélida racionalidade mercadológica que sempre aponta e determina o caminho oposto. Marinho é o avesso, do avesso, do avesso, do avesso.  Anjo torto, tem também sérios problemas de visão. Nunca consegue distinguir os zagueiros. Enxerga apenas e tão somente joãos, igual àquele outro Camisa 7 de pernas enviesadas.

E foi guiado por esta oblíqua concepção que, por volta dos 5 minutos da primeira etapa (não me perguntem a hora exata, pois não uso relógio), Marinho fez o tempo parar. Seguinte foi este. Assediado por seis jogadores do Atlético Paranaense, parecia inviável executar qualquer jogada de craque, pois fatalmente seria bloqueado. Era necessário ir além. Porém, o sujeito exagerou. O que ele fez foi algo que desafia qualquer catalogação sobrenatural.

Tentem visualizar. Com o diabo nos quadris, ele moveu o corpo para a direita e efetuou uma bicuda de pé trocado, elevando ao paroxismo a especialidade romariana. Romário, aliás, deve estar se revirando na tumba agora por nunca ter conseguido algo parecido. Porém, se o baixinho tá se mexendo, quem ficou tão imóvel quanto o tempo foi o goleiro Weverton, que parece ter apreço à sua (lá dele) coluna vertebral. caso se bulisse não ia ficar um osso inteiro.

“Ah, mas isso não é algo assim tão extraordinário. É típico de jogador individualista que, vez ou outra, consegue uma façanha deste porte”, retruca o previsível idiota da objetividade, que não consegue distinguir entre mero egoísmo e magistralidade.

Criatura, aprenda. O que Marinho faz é colocar o talento prodigioso para além do bem e do mal. Não cabem debates sobre falsas oposições. Ele é uma multidão em um só homem e vice-versa. É o protótipo do individualista coletivo. O segundo gol, inclusive, comprova esta tese. Depois de driblar 839 defensores, humildemente decide dar o gol para o menino David, que havia sido protagonista da jogada desde o início. (Sobre o terceiro gol, silenciarei em respeito à inolvidável obra de arte).

Por fim, não bastasse tudo isso, Marinho ainda encarna uma figura inviável que parecia extinta desde Obina: o jogador que sai da previsibilidade e brinca com o absurdo. Alguns podem achar (não sem razão) que estou dourando a pílula porque ele é do Vitória, mas o fato concreto é que Marinho é o maior fenômeno do futebol brasileiro. E isto não apenas pelos dribles desconcertantes e gols geniais. Outros jogadores mais ou menos qualificados podem fazer isso. Com perdão da má palavra, o diferencial do sujeito é que ele incorpora um personagem inverossímil, que finge tanto e tão bem que acaba acreditando em suas verdades, mesmo que elas, as verdades, sejam inacreditáveis.

Resumindo, pois a prosa já tá longa: é o melhor personagem do Ludopédio de Pindorama, uma impossibilidade indomável.

Esta foto do jornal A Tarde não deixa dúvidas.. Nem é preciso legendas.
Esta foto do jornal A Tarde dispensa qualquer legenda. Ele é a própria legenda.

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