Por Andrei Fucs*
O dia 8 de março se aproxima, data essa que virou um marco na história da humanidade por simbolizar a luta das mulheres por igualdade, seja ela por equiparação salarial frente aos homens, seja ela pela luta contra o machismo e a violência. Este último tema será destaque neste texto.
A violência contra as mulheres tem tido grande destaque na nossa sociedade graças a facilidade da divulgação das informações, facilitadas pela evolução da tecnologia, assim como no discernimento das mulheres que inspiradas pela coragem de outras, podemos destacar Maria da Penha Maia Fernandes, ou simplesmente Maria da Penha, a que sua coragem e luta merecidamente deram nome à Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, resolvem não mais se calar diante de abusos e violência sofridas.
Mas aí você, caro leitor, deve estar se perguntando: mas o que a temática da violência contra as mulheres tem a ver com o futebol? Por que isso está sendo escrito numa página relacionada a futebol, mais especificamente ao Vitória?
Explico-lhes nas próximas linhas.
Na última semana as redes sociais foram palco de destaque para diversos debates, mas um chamou maior atenção ao torcedor rubro-negro: criticas severas a contratação do jogador Wesley Pionteck pelo Vitória. Mas quem é Wesley Pionteck e o porquê dessa repercussão tão enfática?
Wesley Pionteck Souza poderia simplesmente ser denominado como um atleta profissional de futebol, atacante, com potencial para ser contratado por grandes clubes brasileiros. Poderia. Mas a partir de 07 de janeiro de 2019 essa conceituação deve ser reformulada.
Wesley Pionteck Souza foi preso em flagrante no interior da residência onde convivia com T.A.C (vamos preservar o nome da vítima), após agredir fisicamente sua então companheira, com socos, chutes, tapas e utilizado uma faca serrilhada para feri-la. Wesley quando questionado pelos policiais que foram acionados, confessou o crime alegando ciúmes. Destaque-se que no momento das agressões a filha da vítima de apenas 6 anos de idade encontrava-se na residência.
No depoimento prestado após encaminhar Wesley para a delegacia para prisão em flagrante, os policiais que atenderam o chamado disseram ter encontrado T.A.C com a cabeça sangrando, ferimentos nas pernas, cabeça, orelha e rosto, além de ferimentos causados por uma faca serrilhada na perna e no punho direito.
Comprovando a violência sofrida por T.A.C e o quanto dito pelos policiais em apresentação de Wesley a prisão em flagrante, o Laudo Pericial realizado na vítima. (Para preservar a imagem desta, apenas colacionamos a descrição das lesões sofridas, sem identifica-la)
Apesar disso, assim como milhares de outras mulheres, a vítima T.A.C viu seu agressor ser libertado logo no dia seguinte a sua prisão.
Diante da robustez dos fatos, o Ministério Público de São Paulo ofertou denúncia contra Wesley Pionteck.
Como não poderia ser diferente, Wesley foi condenado pelo crime de lesão corporal grave em 1 ano e 4 meses no regime aberto, ou seja, a pena é cumprida em casa de albergado ou, na falta deste, em estabelecimento adequado, como, por exemplo, a residência do réu, mas com direito a recorrer em liberdade, o que aconteceu.
Wesley recorreu em liberdade da condenação que lhe foi imposta e em 27 de julho de 2020 teve a sua condenação mantida em segunda instância, conforme observa-se da ementa do recurso.
Wesley foi contratado pelo Botafogo-SP para a disputada da série B em 2020, tendo mandado de prisão expedido, sendo advertido em audiência realizada em 8 de outubro daquele ano das consequências de novas infrações e transgressões das obrigações no cumprimento da pena.
Insta salientar que Wesley ainda cumpre a pena que lhe fora imposta, devendo permanecer em recolhimento durante o período de repouso, podendo apenas sair para trabalhar; não pode se ausentar da cidade de Nuporanga, local onde está sendo executada a pena, por mais de 8 dias sem autorização judicial; e deve comparecer mensalmente ao juízo da execucação da pena para justificar suas atividades e comprovar seu endereço.
Wesley tem previsão de cumpri a pena até 05 de fevereiro de 2022, ou seja, ainda tem quase 1 ano nesta situação, conforme observa-se do calculo anexado ao processo de execução de pena.
Vamos ao mérito.
A contratação de Wesley Pionteck Souza pelo Esporte Clube Vitória é um verdadeiro presente de grego não só as mulheres rubro-negras, mas a todas as mulheres que torcem, que trabalham no meio do futebol. Passa um atestado a toda luta feminina contra a violência: no meio do futebol tudo se justifica, e neste caso a impunidade reina.
Esta pessoa que vos escreve, não só como advogado, mas como ser humano acredita no perdão e na ressocialização, mas há uma linha tênue e perigosa com a possibilidade de ascensão de um agressor à herói, sou contra.
Diante das inúmeras discussões entre “o cara tem que ter direito a ressocialização” – “se for bom tem que trazer mesmo e parar de mimimi”, uma linha de pensamento me chamou muito atenção a uma frase escrita pelo também do rubro-negro Ítalo Amorim: “[…] é necessária uma desmistificação de que há um peso de razão no futebol. Que a imagem daquilo vai ser positiva.”
Há todo um contexto por trás de uma ressocialização. E para isso é necessário entender que um clube de futebol tem uma função social por trás da obrigação de colocar a bola na rede. É, ou pelo menos deveria ser, função de um clube zelar não só pela boa prática de esporte, ou carregar consigo uma cultura regional, mas há uma obrigação moral de dar exemplos.
Em qualquer situação emocional de nossas vidas a irracionalidade em algum momento nos acompanhará e no futebol não é diferente. Mas é nesse momento que as grandes instituições se destacam, quando entendem que sua marca está em campo, seja na disputa de um jogo, seja nos debates dos programas esportivos, seja nas redes socais.
Qual será o exemplo que uma criança terá quando comemorar um gol de um rapaz que foi condenado por agredir uma mulher, como sua mãe, tia, prima, avó? Qual será o exemplo que uma criança, um adolescente terá em idolatrar esse rapaz quando este fizer um gol no rival, ou fizer o gol de um título?
Você, homem, pai de família, principalmente os que tem filha dentro de casa, quer idolatrar um homem que agrediu covardemente uma mulher? Você que diante de supostas razões do futebol quer passar o sentimento de impunidade para um agressor, que poderia ter agredido a sua filha?
Você, mulher, queria ver seu agressor sendo idolatrado por milhares de pessoas, depois de tanta humilhação que te fez passar?
Como você se sentirão as mulheres que diariamente trabalham no clube? Como se sentirão as meninas do futebol feminino quando estiverem treinando em um campo e olhar para o lado e ver a figura de um agressor condenado sendo idolatrado?
A contratação de Wesley Pionteck pelo Vitória extrapola os limites da irresponsabilidade social e moral. É uma afronta a luta das mulheres por igualdade, por respeito e pela dignidade de não serem agredidas ao bel prazer. O mais cômico é que o possível anuncio deva ser feito poucos dias antes da data tão significativa. Para fechar com chave de ouro a apresentação só falta ser feita no dia 08 de março, simbolizando este presente de grego às mulheres.
*Andrei Fucs é rubro-negro, advogado e sócio Sou Mais Vitória.
Fala, Rubro-Negro! é uma coluna de opinião da torcida. Seu conteúdo é de responsabilidade dos signatários e não necessariamente é o que pensa o Arena Rubro-Negra.