Início Colunas Memórias do Leão Alex Alves: o gol apoteótico

Alex Alves: o gol apoteótico

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Fonte Nova, novembro de 1993. Um time formado por joias lapidadas entra em campo. É o Esporte Clube Vitória. Num dos momentos mais importantes da sua idosa vida de 94 anos, o rubro-negro recebe em casa um todo poderoso Corinthians. Com um elenco de pratas da casa na flor da idade futebolística, o Leão nada tem a temer. Pelo contrário, é a sua ferocidade quem dita o ritmo do jogo.

Do outro lado, um Corinthians não tão velho, mas cobiçoso procura espaço para fazer seu jogo. Afinal, todos ali queriam estar na final do Campeonato Brasileiro. Em meio as feras, um franzino rapaz de 17 anos entra em campo com o time. Ostentando a camisa vermelha e preta adornada com o as linhas de um eletrocardiograma, dá indícios de um futebol pulsante do time mandante. É Alex Alves, cria inigualável da Toca do Leão. Protagonista de um jogo decisivo, dono de uma ousada habilidade e um cativante futebol ele flutua em campo. Além de todas essas características, o jovem é também dono da honrada camisa 7. Número capaz de transformar uma camisa de futebol numa mortalha carnavalesca de tão emblemático. O porte físico não é o mais avantajado, o futebol sim. É do ouro de Oxum que é feita a armadura que cobre seu corpo. 

Alex atua pelos flancos. Com tamanha serenidade, não se intimida em disputar a bola com os adversários. Aliás, ele é quem os faz encolher. Do flanco pro meio, do meio pro flanco. Ele dribla e lança o centroavante, quase sai o primeiro. Em seguida, um companheiro cai em campo. Não é um zagueiro parrudo quem chega para tirar satisfação do adversário. Não é um atacante marrento. É Alex que empurra um jogador corintiano, o grande artilheiro Viola, anos mais velho. O jovem atacante faz jus ao seu nome. Alex, signifcado: protetor do homem. 

A confusão termina e os ânimos se estabilizam. De volta ao jogo, Alex faz um prenúncio ainda no primeiro tempo. Do campo de defesa, ele arma e parte pra cima numa tabela no meio-de-campo, logo, passa pelo meio de dois, e em instantes mais um fica pra trás. Terminados os dribles, ele deixa a bola no pé do companheiro que toca para outro que não conclui para o gol e sim para o goleiro Ronaldo. Porém, há minutos do fim da etapa, Claudinho se redime jogando-se na área para marcar o primeiro da noite. 

O gol tira um peso das costas. 1 a 0 não é resultado confiável, mas afere a liberdade ao ritmo de jogo. E é daí que vê-se o Vitória de Alex Alves pintar o sete pra cima dos paulistas, que teve como opção de sobra provocar faltas e mais faltas. É nesta sinfonia de jogo, que o jovem ensaia. Passa por um jogador, mas é derrubado por dois e se contorce de dor na relva do estádio. 

Aos 25 minutos enfim, ele tem nova chance. Um jogador do Corinthians erra o tempo da bola no campo rubro-negro. Alex toma a pelota e zarpa do campo de defesa em direção ao ataque. A resiliência é companheira. Um jogador corintiano lhe dá um carrinho por trás no meio-de-campo defensivo, outro lhe dá um carrinho pela frente no meio-de-campo ofensivo, ele passa pelos dois como um sopro. Um poeta já dizia: o homem que nesta terra miserável, vive entre feras, sente a necessidade inevitável de também ser fera. Feroz na arrancada e suave no tato da bola, ele avança sozinho dominando a esfera. E escolhe passar no meio de dois zagueiros alvinegros como quem enfrenta uma mata escura e selvagem. Agora dentro da grande área, encontra-se na sua segunda casa e basta um chute para completar o feito. “Olho no lance!” Grita o narrador efusivo. “Ééééééééé do Vitóriaaaaa!”. Agora a frase está completa. Alex que já havia esboçado sua jogada em outro lance, coloca a bola no fundo das redes adversárias, jogando a última pincelada sob seu feito. Um quadro vivo! 

 Os torcedores entram em polvorosa. O Vitória se mostra augusto e forte. Alex se transforma numa figura esplêndida. Apoteótica. As qualidades de seu gol são divinas. Não é a toa que o comércio soteropolitano fechou mais cedo naquela quarta-feira para ver o Brinquedo Assassino. Mas o futebol é fugaz e o jogo logo volta. A torcida grita e empurra, o jogo é rubro-negro. Tal como no primeiro tempo, aos 44 minutos, o Corinthians faz seu gol com Tupãzinho. Não há tempo pra mais nada. O filme se encerra com um final feliz para os seus fiéis espectadores. Tal como uma história bíblica onde o justo se sobressai, Alex é o ovacionado da noite. Voa entre as estrelas e brinca de ser uma. Afinal, era o deus astronauta teorizado por Daniken? 

Da Fonte Nova a Campo Formoso, havia festa. Enfim, o invicto Corinthians de ‘tradições e glórias mil’ perdeu sua invencibilidade de dezesseis jogos. Num magistral gol de placa, comparável somente ao do também falecido Dener, em novembro de 1991 pela Portuguesa. Alex entrou para o seleto panteão de ídolos do Vitória. Hoje relembrado por privilegiados torcedores, seu gol contra o time paulista ainda é algo tão raro de se ver que somente os inúmeros replays podem mesmo nos confirmar se ele de fato existiu.


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