Nossa equipe foi até o bairro de Cajazeiras IX, na periferia de Salvador. Após alguns percalços normais no trânsito soteropolitano, o conhecido “GPS humano” nos ajudou a chegar ao destino, exatamente na rua Novo Horizonte, de acesso complicado e ladeiras íngremes. Encontramos o nosso personagem. Trata-se de Antônio Carlos Paixão, de 62 anos, conhecido na área simplesmente como “Vitória”.
Ele nos convidou até a sua casa simples, de apenas um cômodo, e contou ao Arena Rubro-Negra a história por atrás da imagem que viralizou nos últimos dias, na qual ele aparece segurando um ingresso para o Ba-Vi no Barradão, válido pela final do Campeonato Baiano. Visivelmente emocionado, Antônio aparece na foto foi compartilhada por muitos torcedores e páginas especializadas em futebol comemorando o fato de poder ter a oportunidade de comprar o bilhete custando R$ 10 para o clássico e acompanhar o time que quase o batiza.
A partir dali, ele afirma que a sua vida mudou.
“Tem uma amiga minha, Tia Edna. Ela ligou pra mim e mandou uma mensagem querendo meu contato e havia uma pessoa querendo me dar um presente. Quando abri o WhatsApp, era Luan Pablo. Eu não sabia quem era. Ele se apresentou, explicou tudo e disse que conversava com Tia Edna. Ele marcou, mandou eu ir meio-dia pro Barradão e que eu não vou ganhar só o Sou Mais Vitória. Muita gente quer me ajudar e conhecer. Eu estou doido e não sei como a minha vida vai continuar pra domingo. Eu tô com tanta fé nesse Vitória que esses R$ 10, às 4h da manhã que acordei pra comprar o ingresso vão valer a pena”.
A foto alterou todo o destino da vida de Seu ‘Antônio Vitória’. “Jamais imaginei. Esse celular carrego toda hora, pra atender um e outro. A bateria toda hora acaba e tenho que carregar. Só sei que, de terça-feira pra cá, minha vida mudou. Eu querendo sacanear o Bahia e não achei que fosse mudar isso tudo”, brinca, sem deixar de lado a gozação pelo rival tricolor.
A paixão pelo Vitória vem de berço. Natural da Ilha de Itaparica, ele diz que a mãe foi a principal incentivadora. Bom de bola, Antônio inclusive veio a Salvador tentar a sorte como jogador de futebol. Aprovado no arquirrival, não prosseguiu a carreira porque o irmão não quis ajudar caso ele permanecesse no outro lado.
“Quando eu era pequenininho, meu irmão levou bandeira, camisa… Eu fui crescendo. De 17 irmãos, era uma Bahia e o resto todos Vitória. Quando fiz 16 anos vim para Salvador. Eu jogava muita bola e via se fazia o teste em um clube. O Vitória não estava fazendo e fui pro Bahia, na Fazendinha da Pituba que é o antigo Baneb. Fiz o teste e passei. Só que naquele tempo você tinha que ir com seu dinheiro, pra pegar ônibus essas coisas”, revela. “Como meu irmão era Vitória e eu morava na casa dele, ele dizia a mim: ‘No dia que seu dinheiro acabar, você vai deixar de ir. Porque eu não vou dar dinheiro pra você jogar no Bahia não’. O dinheiro acabou e eu acabei parando mesmo”, conta aos risos.
Seu Antônio é apaixonado por futebol. O primeiro jogo ele não esquece e jura que nunca vaiou o time, mesmo nas adversidades. “Meu irmão me disse: ‘Domingo a gente vai assistir o Vitória jogar. Meu primeiro jogo que eu fui ver foi Vitória e Leônico no Campo da Graça. Daí pra cá, se eu tinha amor pelo Vitória, cresceu muito mais. Eu já fiz tanta coisa por esse time meu, o que eu já fiz… só nunca bati, nunca briguei e nunca vaiei meu time. Se tiver jogando feio, eu saio do estádio e vou embora. Nunca vaiei jogador nenhum porque jogador é fase, tem dia que está bem e tem dia que não está”.
Todos fizemos loucuras para acompanhar nosso Leão em campo. Torcedor fanático que é, ‘Vitória’ não ficaria de fora da insanidade que é ser rubro-negro. “Pulei muro da Fonte Nova pra ir ver o Vitória jogar quando estava duro e pulei no gramado quando vi o Vitória campeão pela primeira vez. Mas, minha maior loucura foi em Minas Gerais. Morei lá. As notícias eram poucas. Eu ia fazer quatro anos morando lá. Meu primeiro filho tinha 1 mês de nascido. Eu nunca tinha visto o Vitória ser campeão. Quando estava sentado num bar um cara falou: ‘Tá falando do seu Vitória aqui no rádio. Lá a galera sabia porque eu só andava de Vitória. Aí eu ouvi: ‘Vitória decide o Campeonato Baiano contra a Catuense’. Eu pensei: ‘Porra… Vitória decide o Campeonato domingo e isso era sexta-feira’. Fui pra casa, falei com a mulher: ‘Ruma! A gente vai descer pra Salvador no primeiro trem’. Ela disse: ‘Você é maluco, o menino com um mês e pouco…’. Partimos. No domingo de manhã chegamos em Iaçu. Umas 10h da manhã de domingo o trem parou pra abastecer. Fui na rodoviária e não tinha passagem pra Salvador. A solução foi fretar um carro e ir para Milagres, que é perto de Feira [de Santana]. Pedimos ajuda a uma pessoa para dar banho e fazer o mingau do menino. Pegamos o carro e fomos pra Milagres. Chegando lá, aguardamos o carro pra Feira de Santana. Eram 14h. Aí, peguei um buzu com essa mulher e esse menino e quando chegamos na Brasil Gás, o motorista parou. Meu sogro morava em Dom Avelar. Quando cheguei lá ele estava sentado na porta com o rádio na mão ouvindo o jogo. Quando tô saindo de casa, o rádio grita gol do Vitória, do lateral Pedro Henrique de pênalti. Aí eu pensei: ‘Não vou mais não’. Sacrifiquei meu filho, a mulher pra ver o jogo e acabei não indo pro jogo e não vi o Vitória ser campeão. Quando voltei pra Minas, dei um jeito e vim embora de vez. Voltei e pensei: ‘Eu tenho que ver meu Vitória ser campeão'”.
Desempregado, Seu ‘Antônio Vitória’ não tem uma vida fácil. Mesmo assim, não abaixa a cabeça. Já foi cobrador de ônibus, vende frutas e bebidas para tirar o sustento e continuar acompanhando o time do coração. Como muitos em Salvador, já foi vítima de ladrões. Mas engana-se quem pensa que ele deixa de fazer alguma coisa por conta das dificuldades.
“A gente não tem que ter vergonha de contar o que a gente passa. Eu cheguei a ficar numa situação difícil, só que muitos parentes fizeram uma vaquinha me ajudaram. Comprei esse carrinho de mão, levantava 4h da manhã e ia pra Feira de São Joaquim. Comprava laranja, banana, tangerina e ia vendendo. Com o dinheiro, só dá pra comer que o lucro é pouco. Às vezes você acorda cedo, vai pro ponto de ônibus e o ladrão leva o dinheiro como duas vezes já aconteceram comigo. Tenho uma caixa de cerveja, o carrinho de mão e dia de domingo nos babas que tem nos campos em Cajazeiras. Eu vendo cerveja e assim vamos vivendo. São promessas de emprego que nunca aparecem. Pessoas me procuram, mas nada. Colegas me procuram e não aparece. Sou forte e condições de trabalhar ainda tenho”, afirma, lembrando que está velho mas ainda continua dando show nos campos da vida aos 62 anos.
“Eu jogo bola na praia, corro, tenho 62 anos de idade e estou bem. Tenho um irmão mais novo que parece que é mais velho do que eu. Peço a Deus todos os dias que não me deixe passar fome. Eu tendo o que comer, pra mim é o bastante.”
“Minha vida não foi tão ruim e só piorou de um tempo pra cá. Quando você tá empregado, tá tudo bem. Quando você perde isso, todos somem. Mas, você não pode desanimar pois sempre aparece uma luz, como de terça-feira pra cá vem aparecendo meio mundo de luzes para mim”, conta o Vitória.
De fato, sua vida mudou. Na véspera do Ba-Vi, Antônio foi convidado pelo clube para comparecer ao Barradão. Conhecerá jogadores e vai ganhar status de sócio do clube. E é só a primeira página de uma nova história na vida do ‘Vitória’. Mas ainda tem um sonho que ele quer cumprir.
“Meu sonho é, antes de morrer, ver aquela carteira minha assinada pelo Esporte Clube Vitória. Sem brincadeira, eu sei que não dá mais para mim, eu tô com 62 anos. Mas minha última vontade era ver aquela carteira minha assinada pelo Vitória. Aí sim, para quando eu chegar lá no céu, eu poder mostrar para minha mãe e dizer: olha, minha mãe. Consegui tudo o que a senhora me fez ser, que é ser Vitória.”
*Com colaboração de Matheus Simoni