Candeal. Periferia da cidade de Salvador, encrustado no bairro de Brotas. Ali muitos meninos jogam bola na rua, nos campinhos próximos. Um em especial brincava ali, mas não contente, também ia pro outro lado da cidade, em São Marcos, brincar de bola, mas vendo como um sonho e meta de vida.
Lucas Ribeiro dos Santos, 19 anos, era essa criança. O jovem zagueiro, hoje aclamado pela crítica e torcida, foi como qualquer outra criança que jogava na rua. E na periferia, tinha que conciliar trabalho e diversão. Ajudava o pai no lava-jato, estudava e achava tempo para jogar bola quando menor:
“Brincava muito. Foi uma infância difícil, ao mesmo tempo que eu lavava os carros com meu pai, eu jogava bola em São Marcos, na escolinha do professor Paulinho. Treinava na rua também. Fui crescendo, batalhando no dia-a-dia, vim pro Vitória e fui aprovado e agora só dar sequência. Cheguei com 16 anos e fiquei logo no Sub-17.”
E claro, como toda criança que gosta de futebol, passava o dia todo jogando, se deixasse:
“Eu sempre gostei de jogar bola, eu e meus amigos e sempre vivi no campo. Saia de manhã e voltava só de tarde, às vezes minha mãe ficava falando pra caramba porque eu não comia.”
IRMÃO E CONSELHOS
Lucas não é o único jogador profissional da família. O zagueiro é irmão de Moisés Ribeiro, volante da Chapecoense, a quem sempre incentivou e aconselhou, mas o irmão mais novo também já deu suporte:
“Também me incentivava. Eu vendo ele ali crescendo e teve muita influência dele nos conselhos, no dia-a-dia, que ele já tinha passado e ele estava me falando o que eu iria passar lá na frente também.”
Em 2016, quando houve o acidente da Chapecoense, Moisés não viajou por estar machucado. E foi num jogo no Barradão que veio a lesão: “Foi um jogo aqui, contra o Vitória mesmo, que ele se machucou no Brasileiro. Deu um carrinho em Marinho e se machucou. Ele chegou lá em casa, triste, aí conversei com ele ‘Deus sabe de todas as coisas’, aí graças a Deus ele está aí firme e forte.”
BARATA
Hoje em dia, se falarmos ‘Lucas Ribeiro’, todos já sabem quem é. Mas, pouco tempo atrás, quase ninguém o conhecia pelo nome. A todo momento, na base, ouvia-se “ô Barata”. Claro, o zagueiro foi questionado de onde veio o apelido:
“Foi um apelido que a galera aqui do Vitória botou. Na verdade, já tinha começado em São Marcos, sabe, aí já tinha uns meninos que treinaram lá e já estavam treinando aqui. Aí como treinaram lá, trouxe o apelido, foi pegando e quando vim pra cá, ficou Barata. Não sei qual é o motivo, mas todos meninos que chegam na categoria de base, os caras querem resenhar, botar apelido. Aqui tem Potó, Tartaruga, Rato, muito apelido. Essa resenha é mais na base.”
SUBIDA E ESTREIA
Lucas estreou na equipe profissional num Maracanã lotado, contra o Flamengo. Isso não preocupou em nada o jovem, que parecia ter a maior experiência do mundo. Nesse início de caminhada na equipe profissional, o zagueiro falou da primeira oportunidade que teve:
“Minha primeira oportunidade foi com o professor Burse, que tá no Sub-23, ele me levou no jogo contra o Grêmio lá. Aí voltei mas não fui pro próximo. Carpegiani assumiu e teve um jogo contra o Internacional no Sub-23. Aí eu joguei, ele gostou de mim e Léo (Gomes), no outro dia já treinamos com o elenco profissional. Treinando, treinando, aí ele me levou pro jogo e fui titular contra o Flamengo. Soube aqui um dia antes que seria titular. Fiquei feliz, não esperava assim, mas no momento eu até esperava, tava bem, sempre treinei forte, sabia que a oportunidade ia chegar e graças a Deus chegou e tá dando tudo certo.”
A SERENIDADE NO OLHAR
Como dito acima, a “frieza” do Barata chamou muita atenção. E isso não foi um fato isolado, já que nos jogos seguintes a calma e serenidade do menino estiveram em campo mais uma vez. De forma bem consciente e resumida:
“Não tem bicho de sete cabeças: é chegar, jogar, treinar forte durante a semana, correr e dentro de campo corresponder. Graças a Deus a torcida tá comparecendo e continue assim dando uma força muito grande pra nós.”
INSPIRAÇÃO
Todos nós sonhamos em serem jogadores. E na posição que você se identifica, você tem um modelo, em quem se inspirar em campo. Barata tem os seus também:
“Eu vejo Thiago Silva, Dedé, uns caras que eu admiro muito. Cada zagueiro tem um estilo de jogo e eu observo na televisão o jeito que cada um joga pra eu ir melhorando.”
“Até eu mesmo, as coisas que às vezes eu erro, ou algo que não tenho, o que posso adquirir no treinamento pra melhorar. Peço pros meninos passar vídeos pra mim, do jogo, pra ir observando.”
ESTILO DE JOGO
Essa citação de Barata acima reflete o que ele quer em campo. Jogo bonito, fácil e limpo. Ele falou sobre o estilo de jogo, principalmente em sair tocando:
“Já é de mim. Sempre treinei saída de bola. Na escolinha do professor Paulinho, que tem um trabalho excelente e com o professor João Burse que tem um treinamento intenso, com saída de bola. Chegou aqui, o professor Carpegiani pede nos treinamentos saída de bola e dentro de campo nós fazemos.”
SONHOS
“A gente sonha em ganhar grandes títulos, trazer alegria. Chegar também na Seleção, que é um sonho de criança, jogar fora. Comprar coisas que a gente sempre sonhou de criança, pro nosso pai, nossa mãe e graças a Deus vai dar tudo certo e vou conseguir fazer tudo isso.”
Carlos Amadeu é o técnico de base da Seleção e será o comandante do Brasil nas Olimpíadas em 2020. Já pensou?
“Tô pensando sim (Olimpíadas), treinando forte e quem sabe a oportunidade aparecer e agarrar com unhas e dentes”
POSTAGEM SEM GRAÇA
“Vi normal. Postou, fez como se fosse uma brincadeira, só que muita gente não gostou. Isso aí não me disse nada não, tenho cabeça no lugar, Deus sabe como eu sou, minha família sabe como eu sou. Isso aí não me atinge não, é besteira.”
RECADO PRA TORCIDA
“Pode esperar raça, vontade, isso aí vai ter sempre dentro de campo, mesmo num dia ruim ou bom. Vou querer dar o meu melhor e vencer os jogos. E continuar nessa batalha”