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O ritual do Santuário é o que me traz mais saudades

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O Vitória está prestes a voltar a campo, quatro meses após o último jogo. A pandemia de covid-19, já responsável por tal hiato, também irá nos impor um futebol à distância, pela TV. E cá pra nós, não terá a menor graça. Esse texto fala sobre a minha experiência de ir ao Barradão. Sugiro que antes da leitura completa, leia apenas o último parágrafo.

Dia de jogo no Barradão é sempre um ritual. Horas antes meu telefone toca. Se não for Andrei, querendo saber em que bar nos encontraremos antes do jogo, é João, me oferecendo carona. Sim, modéstia à parte eu sou um cidadão cortejado. O nome disso é amizade e foi o Vitória quem me deu.

Duas horas antes do jogo começar e aquela dúvida de sempre: subir pela Mário Sérgio ou pelo Paralela Park? Qualquer minuto no trânsito é um gole a menos no pré-jogo. Aliás, ir ao Santuário sem tomar ‘a benção’ é penitência.

A procissão entre o estacionamento e o portão de acesso é profana. Já é certo que vou beber uma (ou mais) Budweiser do cooler de Juliana e uma (ou mais) Petra com Esaú. Sempre são mais.

Ali já se forma uma catequese da prega. Simoni e Tiago puxando o bonde do Vitória Twitter. Marcelo e Edi reunindo o Vitória Oficial. Os grupos de Whatsapp realizando o milagre dos encontros reais. Mas o jogo vai começar.

A cada dois passos rumo aos portões de entrada, encontro um amigo e faço uma promessa. “Lá dentro a gente se bate!” Nunca se bate. Até porque a hora de entrar é aquela agonia, geralmente a bola já rolou e eu ainda não passei da catraca.

A primeira imagem do campo é a do telão. O placar define o humor ao descer as escadas. Já teve dia que nem desci. Mas ao descer, o destino é sempre o mesmo: o bar. Graças a isso eu já não preciso marcar pra assistir aos jogos com Vinícius; nossa estratégia é a mesma e a cerveja nos une.

Naquela arquibancada abençoada, entre um bar e um banheiro, às vezes no terceiro ou quarto degrau, às vezes no primeiro mesmo, me instalo durante 90 minutos, com pequenas pausas para liberar líquido e reabastecer.

Parado ali me esbarro com o vai e vem de Clarinha, com Franciel e seu comércio ilegal de livros, com Leo e Nath que invertem o lado do estádio no intervalo, e com Binho, Felipe, Adson, Antonio, Mário e tantos outros amigos que já sabem que eu estou por ali e passam, param e às vezes até ficam.

A pior parte, confesso, é quando vou cumprimentar André, Bruno e Flávio; não por nada, mas é que meus joelhos de atleta não simpatizam em descer tantas arquibancadas. Vale a pena, pela amizade e para ver Góis e Anderson mais de perto.

Assistindo ao jogo é aquele padrão torcedor mesmo: gritar, xingar, gesticular, falar com o brother e com os desconhecidos ao lado, vibrar quando o Leão faz o gol (sem desperdiçar cerveja), dar muxoxo quando leva, mais o compromisso de estar sempre ligado nos detalhes & contextos pra abastecer o grupo do Arena e escrever no Twitter.

Ao apito final, perdendo ou ganhando, tem que subir as escadas. É o sacrifício de todo rubro-negro, na alegria ou na tristeza. Pelo menos o tratamento em seguida é com gelo via oral.

É hora de reencontrar João, que nessa altura já está com Mateus, Rodrigo, Luan, Villar… e realizar toda a procissão novamente, só de retorno. Uma parada extra no espetinho pra cumprimentar Diego, Donato, Babidi, Laerte, Alan (…) e finalmente encontrar Andrei. Aí o pós-jogo fica tão extenso quanto à saudade ao escrever tudo isso.

Esse texto é demasiadamente pessoal, fruto de uma saudade insaciável dessa rotina quase inalterável, mas sempre muito estimada. É uma tentativa de lhe fazer lembrar da sensação indescritível de conforto e pertencimento que o Barradão só oferece a quem tem sangue vermelho e preto. Seja você o torcedor que chega cedo ou que chega em cima da hora; que enche a cara ou que não bebe nada; que senta na arquibancada ou na cadeira; você sabe o universo que está por trás de uma ida ao Santuário. E com certeza está morrendo de saudades.


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