Vindo da Paralela ou pela Via Regional, logo nota-se um grande muro vermelho, os limites de um local sagrado, os limites da toca de um leão, as paredes que abrigam a casa de rubro-negros. O Estádio Manoel Barradas, para nós íntimos Barradão, não é somente um campo de futebol com arquibancadas de cimento formando o “c” (de campeão): é o santuário em que torcedores do Vitória se locomovem para extravasar sentimentos, bons ou ruins, com gritos e pulos, todos direcionados ao time que amamos.
Muitos torcedores conhecem a história do Barradão, mas será que conhece as nuances e como ele foi construído? Dando início a uma série comemorativa dos 30 anos de Barradão, vamos conhecer como foi erguido o nosso santuário.
O bairro é a Canabrava, até então deserta na década de 80. Eram pouquíssimas moradias na região, a cidade se concentrava no Centro ainda e começava a crescer adentrando na ainda nativa Mata Atlântica. O governo do Estado, junto ao governo municipal, procuravam estratégias para guiar o crescimento demográfico para longe do centro, daí surgiram localidades como Cajazeiras, Águas Claras e redondezas. Uma dessas redondezas é a região que hoje abriga bairros como São Marcos, Jardim Nova Brasília e Canabrava. Precisamente nesse último bairro, funcionava o aterro sanitário da cidade, pela questão geográfica, distante do centro.
O centro era o local onde o Vitória residia. Nascido em um bairro aristocrata, Corredor da Vitória, o time “treinava” no campo da Graça e mandava seus jogos no então Estádio Octávio Mangabeira. O time não dispunha de um local adequado para treinar, sendo necessário pedir locais emprestados. Não tinha uma casa para chamar de sua, dividia com outros times da capital o principal estádio de futebol. Foi então que se viu a necessidade de ter um local para o Vitória ao menos treinar e esse “insight” foi dado pelo então sócio e notório presidente do clube, Manoel Barradas. Certa feita ele disse: “o Vitória é campeão em todos os esportes, menos no futebol. No dia que tivermos um estádio, um local para treinar, seremos os melhores.”*
A ideia foi amadurecendo, foi ganhando corpo e força e, da década de 70 até meados de 80, chegou a hora de sair do campo das ideias e ir para a prática. Assim, na gestão do presidente José Rocha (1983-86), o Barradão dava seus primeiros fôlegos de vida. Junto ao prefeito da época, Clériston Andrade, o Vitória foi presenteado (através de doação municipal) com um terreno ao lado do aterro, no bairro que viria a ser Canabrava. O projeto foi feito pelo então diretor de patrimônio do Vitória, o arquiteto Lev Smarcevski, que idealizou a forma como o estádio viria ser construído.
Porém, faltava a verba para iniciar a construção. E é aí que a figura do Manoel Barradas entra novamente. Deputado estadual na década de 80, era conselheiro do Vitória e sogro do então governador do Estado João Durval. Foi através do senhor Barradas, usando de sua influência, que o clube rubro-negro conseguiu um convênio no valor de dois milhões e quatrocentos mil cruzeiros na época, em parcelas.
Para completar o dinheiro necessário, o presidente José Rocha e todo o corpo diretor realizou “bingos” (costume para angariar fundos) e vendas de cadeiras cativas, até conseguir o valor. Como forma de agradecer, José Rocha propôs ao governador João Durval que o estádio recebesse seu nome, o mesmo declinou do convite e sugeriu o nome de Manoel Barradas. E assim foi feito: a casa do Vitória recebera o nome daquele que ajudou na ideia e na prática.
Mas nem tudo foi fácil. Uma das primeiras ações a serem feitas era colocar na cabeça da população e instituições que, aquele local, não era mais um aterro sanitário. Apesar dos inúmeros pedidos e avisos, muita gente ainda teimava colocar lixos e dejetos no entorno, enquanto máquinas e homens trabalhavam na terraplanagem. Além disso, outro fator que dificultava o nascimento do Barradão era a liberação das parcelas que o governo autorizou. Acontece que, na época, a rivalidade também ultrapassava as linhas do gramado. Muitos membros do governo, como alguns secretários, eram torcedores do time rival e emperrava em tudo que podia a liberação da verba. Mas aos trancos e barrancos, eram liberados.
Então chegou o grande dia. O Estádio Manoel Barradas, com dimensões campais de 105 m x 70, abria os portões no dia 11 de novembro de 1986 para seu primeiro jogo. A alegria imperava nas recentes arquibancadas, ainda com o cheiro fresco do cimento. Autoridades eram vistos sentados em cadeiras próximos ao campo. Muitos queriam aproveitar ao máximo e até se aventuraram nos barrancos atrás das traves, sem nenhum receio de deslizar. O então diretor do Conselho Deliberativo, Manoel Pontes Tanajura Filho, deu o pontapé inicial para o jogo entre Vitória x Santos. O primeiro gol foi marcado por um baiano, porém do time santista. O atacante Dino balançou as redes, após um cruzamento. O rubro-negro empatou com Heider, de pênalti. E assim terminou a partida inaugural, um empate em 1 x 1.
E assim, o nosso querido Barradão deu seus primeiros sinais de vida. Era somente uma partida inaugural, nada estava finalizado, tanto que foi fechado e reinaugurado cinco anos depois. Mas quem esteve ali, percebeu que não era somente um estádio que viria a se erguer: mais que um campo, era um local sagrado que nascia. Um local com cores rubro-negras, o primeiro pulso iniciado a 30 anos atrás e que bombeia nossos sangues até hoje.
CURIOSIDADES:
- O nome da fachada foi grafado erradamente: ao invés do nome do então conselheiro Manoel Barradas, estava “Manuel Barradas”, sendo consertado anos depois;
- Pelo fato do local não ter nome e nem estar em nenhum bairro, conselheiros e diretores resolveram batizar a rua que daria acesso ao estádio com o nome do principal fundador do clube: Arthêmio Valente;
- Na época, foi anunciado que a capacidade do estádio seria de 40 mil lugares, número que foi reduzido tempos depois;
- Dino “Furacão”, autor do primeiro gol no Barradão, foi revelado pelo clube rival