Início Colunas Diário de Bordo Onde os fracos não têm vez

Onde os fracos não têm vez

5

***

Ribeirão Preto/SP, 17 de abril de 2019.

(Rodada 1 de 38.)

Ribeirão Preto às 11h?

O vento em Ribeirão Preto corta seco. É a tônica de todo o interior de São Paulo, onde o calor escaldante recomenda prudência na prática de atividades físicas e a desidratação é certa. Ainda assim, contrariando a Medicina e bom senso, marcado estava para as 11 horas da matina, no auge do sol a pino, a estreia do Vitória no seu retorno nada honroso à segunda linha das divisões nacionais.

Nas quase 3 semanas de preparação – eufemismo para período de inatividade causado por precoces eliminações – as suspeitas atrapalhavam o juízo da sofrida torcida rubro-negra. Qual seria, afinal, as condições do escrete rubro-negro na contenda que se iniciava?

Eu sei o que vocês fizeram nos meses passados

Era impossível de esconder a preocupação. Pela frente, a largada na principal competição do ano. Nas 3 anteriores, resultados vergonhosos. Ora, se no aquecimento da temporada, passos e avanços foram substituídos por tropeços e paralisação, o que esperar quando fosse à vera?

Voltavam à mente os fantasmas de segundonas passadas. Das dificuldades enfrentadas em gramados maltratados. Dos desfiles trepidantes em estádios estilo vintage. Dos nomes nada glamurosos em elencos que contam com aquilo que o orçamento permite.

Sem fantasia, a Série B é terra arrasada, buracos, chutões e uma capacidade especial de resistência. É competição onde os fracos não têm vez. Quem hesita é condenado a permanecer à beira do colapso, vendo a distância aos num degrau acima se esticar. Tem-se, para o bem de combalidas contas correntes, de garantir efeito de transitoriedade, pá-pum, bate volta.

E munidos de esperança sem fundamento, porque torcer em unhas corroídas e vozes roucas de desamparo é matéria que nós, rubro-negros, sabemos bem, nos plugamos nas transmissões disponíveis na madrugada das onze badaladas da matina para acompanhar a saga do Vitória e sua entrada no único palco que importa em 2019.

Reconheçamos. Se por fora era “Umbora, Vitória”, por dentro era olho fechado e seja o que Deus quiser. Na ausência da probabilidade, apelemos para a fé que se propaga da boca pra fora, mas a desconfiança mantém lastro.

A esperança e o juízo

Como esperado, o sol brilhava inclemente. Vento não amenizava, tanto pelo contrário. As arquibancadas vazias do grande estádio interiorano refletiam o calor no cimento em brasa. Nessa pegada, as ondas de quentura trataram de fazer o que fazem melhor: travar o discernimento e obstruir as boas decisões. Emanou desmantelo e atingiu em cheio ao Vitória.

A começar por Tencati, o novo comandante. Na escassez de peças, lançou mão de nomes no mínimo questionáveis. Escalou mal, trocou mal. Gabaritou, mal de cabo a rabo.

Manteve Neto Baiano, ex-jogador em atividade de belíssima história no Vitória, em campo por longuíssimos 89 minutos, como se possível fosse reviver aquele Neto de 2009. Caso semelhante em crença a Fabrício, aquele que não deveria ter vindo. Com longo currículo problemático – seu juízo vem danificado de nascença -, saiu de campo no primeiro tempo tendo que ser contido pelo estreante e infante Caíque Silvio. Neste recorte, Caíque era o veterano, enquanto o lateral era o destemperado. Mas, sabe como é, Fabrício um dia, num passado distante, era promessa e jogou bola.

Ah, a esperança… Se como torcedores a alimentamos, tudo tem limite. Não há esperança que resista a Andrigo em campo.


A esperança é a ilusão humana quintessencial, simultaneamente a fonte de sua maior força e de sua maior fraqueza.

O Arquiteto, em cena de Matrix Reloaded (2003)

Na seara dos juízos atrapalhados, Rodrigo Andrade tem sempre seu destaque. Foi ao ataque, fez e aconteceu. Pedalou, cruzou, deu o gol a Caíque. Era gol com o Vitória na frente, contra todos os prognósticos e invertendo o enredo de uma partida em que era encurralado pelos paulistas.

Ah, a esperança! Que sentimento maravilhoso!

Só que Victor Ramos – com GPS sempre desconfigurado no posicionamento defensivo – não deu combate e o empate veio.

Rafael Costa comemora o gol de empate do Botafogo-SP contra o Vitória.
Foto: Thiago Calil/ AGIF

Quando reentra em cena Rodrigo Andrade. Tal qual carreta desgovernada – motoristas de caminhão poderão corroborar a dificuldade de frear sobrecarga pesada – atropelou um adversário em pênalti. Acabou ali o jogo para o Vitória.

Ah, a esperança… Pra quê mesmo? Se saia!

A virada esfacelou o juízo restante. Edcarlos colocou a cereja no bolo em gol contra atabalhoado.

Nas arquibancadas, olé. No placar, Botafogo-SP 3×1 Vitória.

A vez dos fracos

Confessemos. Como torcedores, já não víamos mais o jogo, de olho no almoço e no sábado que ainda poderia ter seu valor revertido para a glória dos particulares e dos cada-uns.

Melhor fingir não ver o óbvio. Por exemplo, que as três semanas de treinamentos foram de pouco avanço. E que os que envergam o manto sagrado do Esporte Clube Vitória são fracos em todos os quesitos: tecnicamente, fisicamente e psicologicamente. Empilhamos fraquezas numa competição que estraçalha os fracos impiedosamente. Não têm vez por aí, mas arrumam espaço e se criam na Toca.

Às duas últimas fraquezas, no entanto, há solução. À primeira há, infelizmente, tão somente a espera por um milagre. Lembremos: dinheiro não tem. Assim, haja criatividade e fé. Nossa melhor aposta é no grito e no fervor da torcida e numa eventual intervenção divina pelo peso da camisa e sua história, que pode mais porque é grande, sim, senhor.

Gabriel Galo é baiano, torcedor do Vitória, administrador e escritor, cronologicamente falando. É autor de “Futebol é uma matrioska de surpresas: Contos e crônicas da Copa 2018”, disponível na Amazon.

***

Histórico rodada a rodada:

Rodada 01, Botafogo-SP 3×1 Vitória: ArenaPapo de Galo

***


Deixe sua opinião