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Tão atual como os dias de hoje

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Eu já estava arrependido de escolher, em plena tarde de domingo, fazer uma visita ao Dique do Tororó. Talvez, por isso, muitos me chamam de arcaico por manter as mesmas tradições dos meus avós e fazer turismo dentro da própria cidade onde mora. Só não contava com tamanho engarrafamento.

Não sabia que tinha jogo marcado para a Itaipava Arena Fonte Nova naquela data. Eu já estava há quase 1h parado na Av. Mário Leal Ferreira. À frente tinha um ônibus com uma publicidade dizendo: “Tricolores e rubro-negros unidos pela resistência do futebol”. Logo comecei a compreender que tamanho engarrafamento se tratava de mais um dia de BaVi. Só não entrava em minha cabeça o porquê de tanto “misto e tabaréu” fantasiados com a camisa do São Paulo e Flamengo.

Finalmente, chegando no Dique, tive a certeza que errei na escolha do local para passar à tarde. A lagoa estava rodeada de ambulantes, torcedores e flanelinhas. Lembrava até dia de jogo durante a Copa do Mundo, mas apenas pela quantidade de gente nas ruas, pois a desorganização era a mesma de sempre. Não me contive e tive que parar um senhor, que me parecia cambista, e perguntar o por que de tanta gente com a camisa do time paulista e carioca. “Se a semifinal já tem tanta gente assim, imagina só se a Fonte for sorteada para sediar o jogo decisivo”, disse o rapaz que vestia a camisa do Vitória, com o patrocínio do ‘Mercadinho Tio João’ e fornecida pela Dalponte. Só não me lembro quando foi produzido tal material. Sem perder tempo indaguei, em seguida, se o Vitória já tinha sido eliminado da competição. “Parceiro, vaza pra eu não mandar você tomar naquele lugar”, esbravejou o rapaz com a boca espumando de ódio. Normal, talvez ele tenha pensado que eu era torcedor da “sardinha”.

Percebendo que eu estava mais  perdido que Falcão tentando justificar tantos erros no primeiro ano gerindo o clube, uma senhora que vendia o bom e velho “churrasquinho de gato”, perguntou se eu não era baiano. Logo eu, com cara de menino criado no bairro de São Caetano. A senhora, crente e abafando que eu não era soteropolitano, começou a me explicar: A data, coincidentemente, marcava o último jogo, naquele mesmo estádio, entre Bahia e Vitória, revelou a vendedora, esclarecendo que o último ano de Bahia e Vitória na série A do extinto Campeonato Brasileiro foi no dia 07 de dezembro de 2014. Competição que agora se chama ‘torneio Sul-Sudeste’. Uma espécie de elitização do Brasileirão, orquestrado pela nossa amada CBF.  Logo pensei: “Colocaram droga na farinha desse churrasco”. Agradeci a pobre ambulante por ajudar um desnorteado “turista” e continuei meu caminho.

Finalmente eu tinha encontrado um local adequado ao redor do Dique para descansar e aproveitar a bela vista em vermelho, preto e branco. Aproveitando a parada sentei para ler os recados no WhatsApp. O pobre smartphone parece que não aguentou o tranco do Waze no engarrafamento e descarregou. Só tive tempo de ver o horário que marcava 15h38 e a data 13 de abril de 2064. Estranho, mas irrelevante confiar em tecnologia.

Ao que parece eu não era o único maluco em buscar tranquilidade nas proximidades da Fonte Nova em dia de jogo.  Um conhecido de longas datas, torcedor doente do time de Itinga, estava fazendo atividade física no Dique. O coitado nem tinha vergonha de usar aquele abadá feio, que por incrível que pareça tinha o mesmo patrocínio e fornecedor esportivo da Leão que o cambista estava utilizando. Após os cumprimentos, me questionei se ele comeu o “chupa molho assado” que a tia estava vendendo na beira do estacionamento da Fonte. Ele me veio com uma história estranha de que existia um manifesto pelo retorno de Bahia e Vitória, além de comentando que a forma da derrocada da dupla parecia algo armado, pois ninguém seria tão incompetente ao ponto de passar, em conjunto, 2 anos na série B, 6 na C e mais 5 na 4º divisão do campeonato nacional.  O pior de tudo é que o doido do jahia ainda me mostrou um panfleto com a chamada: “Vitória e Bahia unidos pelo resgate do futebol baiano”.

Após falar tanta besteira o sofredor tricolor voltou a fazer atividade física e eu deitei um pouco no banco do Dique para descansar a coluna que me parecia de um ancião com 80 anos. Só acordei com o hino do Vitória no meu ouvido, percebendo em seguida que tudo não se passava de um sonho e o hino era apenas o alarme do despertador  para mais um dia de trabalho. Ou melhor, um pesadelo não muito distante. Só achei estranho a tabela retirada do jornal e colada na parede do meu quarto mostrar a dupla brigando no Z4. Realmente o sonho foi tão atual como os dias de hoje. Talvez uma visão do futuro.


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