Os que habitam o cimento das arquibancadas sabem que ali é o local onde levamos ao paroxismo nossos delírios, frustrações, desejos e outras ficções. Entre um longo degrau e outro e os quase intransponíveis alambrados, aproveitamos as verdades absolutas e os fingimentos dos 90 minutos e das prorrogações para conviver e expulsar nossos demônios, longe do falso conforto gourmetizado dos pei pé vius que transmitem a vida sem riscos nem outras estripulias arrebatadoras, pois tudo tá ao alcance do controle remoto.
Lá, no estádio, especialmente no Barraquistão, nécaras. Não há replay, nem ensaio. É tudo à vera, no quente, na hora, sem direito a água com açúcar para acalmar angustiantes e intensas emoções. Portanto, com o couro curtido em ancestrais pelejas nestes inconsequentemente deliciosos e insalubres ambientes não sou eu que vou dizer ou determinar o jeito de torcer de seu ninguém. Cada um que siga o que lhe manda a (in) consciência no momento.
– Ah, sêo Françuel, chega desta conversa atrapalhada metida a filosofia poética. Eu quero saber é o seguinte: como é que foi o jogo, pois estava num reggae e não achei carona para ir ao Barradão? Pergunta-me a sumida e impaciente moça do shortinho Gerasamba.
Como nunca deixo a referida sem resposta, tentarei falar sobre o jogo, mas sem esquecer de tratar do que já desenvolvi nos dois parágrafos anteriores, senão os parcos leitores vão me acusar de estar enrolando mais do que tiago surreal no meio de campo do Vitória.
Sem longas nem muitas delongas, seguinte foi este. A partida foi decidida e protagonizada, para o bem e para o mal, pelos meninos da base e também por um rapaz renegado por todos, inclusive por este rouco e cabeludo locutor.
Apesar dos 829 desfalques, o Vitória começou bem, pressionando o Sport e etc e coisa e tals. Amaral, ex-meio campista e atualmente baiana de acarajé, perdeu um gol de cara. Logo depois Dagoberto recebeu um lançamento primoroso de Euller e, mais uma vez, ficou no quase. Dominou errado e mandou um (mais um) peteleco para a meta. (Ah, imaginem se fosse o contrário. Uma hora desta estaríamos todos no velório do lateral-esquerdo. Porém, como Dagoberto o novo queridinho da torcida, ele tem todo o direito de ficar no quase. Pouco importa que tenha sido contratado a peso de feijão para balançar as redes e não pra ficar no quase).
Mas derivo. O fato é que, em um erro de posicionamento da defesa o Sport abriu o placar e vi que a casa poderia feder a homem. E isso só não aconteceu porque, ato contínuo, o juiz expulsou um jogador do leão pernambucano. No final do 1º tempo, o renegado Vander fez um belo gol e um gesto mais bonito ainda ao se desculpar com a torcida pelas suas feiuras recentes.
Mas, esqueçamos isso. Vamos falar de beleza. Que obra-prima o segundo gol do Vitória. Um lançamento genial de William Farias para o CRACAÇO Euller se infiltrar no meio de 18 zagueiros, dominar no cangote e mandar de direita para as redes.
Pouco tempo depois, em um cruzamento certeiro de Vander, o menino Nickson, que substituiu Amaral e fez uma partida monstruosa, guardou o seu de cabeça. 3 x 1. Jogo praticamente decidido, pois mais um jogador do Sport foi expulso, né? Sim, se não estivesse em campo o Vitoria, que não consegue entender a vida sem dificuldades.
Faltando pouco mais de 15 minutos, a zorra começa a desandar, para todos os lados. Rafaelson entra no lugar de um aplaudidíssimo tiago real e torna-se protagonista de cenas lamentáveis. As cenas lamentáveis que falo não são exatamente os gols que o referido perdeu, mas sim a raiva, o ódio que isso provocou na torcida. Pouco importa que o menino (ele tem apenas 19 anos) estava quase um semestre parado. Aliás, pouco, não, nada importa. A mesma torcida que tem uma paciência de jó para a inoperância de tiago real, para o quase Dagoberto, para as entregadas de amaral, não suporta 15 minutos de Rafaelson perdendo gols. Pra piorar, o Vitória sofre o segundo. Alguns séculos de aflições e a partida termina, sob vaias estrondosas, apesar do triunfo.
É direito do torcedor vaiar? Óbvio, claro, cristalino. Gastei exatamente os parágrafos iniciais falando disso. Porém, é no mínimo contraditório que esta mesma torcida silencie diante de tantas e tamanhas infâmias e se exaspere desta forma com um guri. Parece que não aprendemos. Outro dia, vigorava uma campanha para mandar o maldito do Euller embora, com urgência. Hoje, todos amam o rapaz desde sempre.
Antes que algum incauto venha dizer que estou querendo, com isso, garantir que Rafaelson será o futuro Euller, respondo logo: Não, claro que não. E, no embalo, aproveito para perguntar: nossas vaias servem apenas para os meninos da base, para os desvalidos? Será que não gastaremos nossas gargantas para recriminar os malditos dos andares superiores, sejam os jogadores de grife (em fim de carreira) ou mesmo os dirigentes que estão a nos enrolar nas questões substanciais, como as contratações e a democratização do Clube?
Bom, como disse, e repito, cada um faz o que entende ser certo. Assim, enquanto muitos acham que devem perseguir os guris da base, este rouco e cabeludo locutor continuará aqui bradando contra outras injúrias e em prol do direito do torcedor interferir na vida do Leão.
Por isso, encerro uma vez mais com o tradicional grito: DIRETAS, JÁ!!!
P.S Sem querer sem cabotino nem profeta do acontecido, informo que, no dia anterior, antes de mais uma exibição brilhante de Euller, larguei a seguinte ode ao referido. Confira comigo no replay, AQUI, Ó