Início Colunas Memórias do Leão Quarentinha… um artilheiro paraense

Quarentinha… um artilheiro paraense

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A Bahia contou com diversos artilheiros nas suas primeiras décadas de futebol. Popó, Siri, Juvenal… mas nenhum deles foi tão notável quando Quarentinha. O atacante paraense, apesar de ter sido revelado pelo Paysandu, se destacou nos gramados baianos pelo Vitória e fez fama no mundo posteriormente com a camisa do Botafogo e da Seleção Brasileira. Foi dessa forma que alcançou feitos eminentes como a maior artilharia da história do Botafogo de Futebol e Regatas, e a melhor média de gols pela Seleção Brasileira.

 Mas tudo começa em Belém do Pará, quando em 15 de setembro de 1933 nasce Waldir Cardoso Lebrego, o Quarentinha, filho de um caribenho chamado Luiz Lebrego e da paraense descendente de índios chamada Myrthes. Waldir era o segundo de oito irmãos (sendo uma mulher) e jovem padeceu com a morte de sua mãe. Seu pai, Luiz Gonzaga Lebrego, conhecido também como o Velho 40 deixou os filhos morando com os avós no bairro do Marco, onde já se localizava o Curuzu, estádio do Paysandu. O Papão que teve o Velho 40 – apelido em referência ao número que vestia na camisa do colégio para jogar futebol – em seu quadro de jogadores, viu o caribenho marcar mais de 200 gols com a camisa do clube, assim sendo apelidado de El Tigre. Acontece que o talento com a bola passou de pai para filho e assim como o pai, Waldir seguiu os passos da bola. Morando justo próximo de duas canchas em Belém, o esporte bretão lhe atentou os estudos e desse modo se refugiou da rotina severa dos livros dos Instituto Lauro Sodré para os dribles com a camisa do juvenil do Paysandu, aonde fora levado pelo próprio pai.

 Porém, da mesma forma que havia rigor no seu local de estudo, no campo de jogo havia também. Após anos e títulos conquistados pelo Paysandu, seu pai era um torcedor enfermo do clube e não admitia que o filho diferente dele, jogasse mal. Assim, acontecia até do Velho 40 fazer o filho apanhar quando perdia. Ao mesmo tempo em que Quarentinha ia despontando pelo Paysandu – mesmo sob a marcação do pai – seus irmãos Walquir e Walmir também disputavam partidas por times do estado. Só que era Quarentinha que se destacava e atraía os olhares dos fãs de futebol. Aos 17 anos ele fazia duplo sucesso, ao se incumbir de jogar tanto pelos juvenis como pelos aspirantes do time do Paysandu. Ele estreou em um clássico de seis gols no qual não marcou um sequer, mas mesmo assim despertou o interesse dos torcedores pelo seu chute com a perna canhota.

Dois craques, duas gerações: Quarenta e Quarentinha, ainda pelo Paysandu. Conta-se que o pai ficou com todo o dinheiro de sua venda para o Vitória.

Jogando com a camisa do Papão desde 1950, foi só em 1952 que ele chegou ao time principal. No ano seguinte despontou em amistosos contra times do Sudeste e foi sondado pelo técnico do Vasco, Flávio Costa. Mas os cruzmaltinos não mantiveram o interesse em Quarentinha que logo foi dado como certo no Bahia por um preço de 20 mil cruzeiros e um salário de 2 mil cruzeiros por mês. O Paysandu impediu a negociação por não estar envolvido na transação e logo em seguida veio uma proposta do Vitória, um tanto mais pomposa. O Leão pagou por seu passe, 20 mil cruzeiros, acrescentou cerca de 20 ou 30 mil de luvas e ainda ofereceu um salário de 2500 cruzeiros mais hospedagem. Ele se despediu do time em que fora revelado com uma derrota em 8 a 0 para o Internacional e partiu para a Bahia de Todos os Santos.

 Quarentinha chegou a Boa Terra em abril de 1953 e nos jornais baianos dizia-se que ele iria jogar contra o São Cristovão-RJ ainda na tarde de sua chegada. De fato ele chegou a Bahia acompanhado de seu pai em 5 de abril, mas não fora lançado naquele jogo diante do time carioca. O atacante deixou de jogar alguns confrontos por conta de uma cirurgia que teve que fazer para a calcificação do tornozelo, mas logo no primeiro turno do Campeonato Baiano daquele ano (o primeiro de um Vitória profissionalizado) ele se mostrou competente, marcando seis gols em seis jogos, dois deles no clássico contra o Bahia. Já no segundo turno, foram três gols em um Vitória que perdera um pouco o ritmo do campeonato. Dessa vez o Botafogo levou o segundo turno, mas no terceiro, tanto o rubro-negro quanto Quarentinha voltaram com tudo e enquanto o jogador marcava cinco gols em três das cinco partidas, o clube levou o turno de forma invicta. No clássico contra o Bahia, foi um duelo de titãs, de um lado Marito, Carlito, o goleiro Leça (recitado até em música de Gilberto Gil), do outro Juvenal “O Jegue Alemão”, Tombinho, Quarentinha… Juvenal e Alencar deram o triunfo ao Vitória por 2 a 1 que deu um importante passo para sair da seca de títulos estaduais, que já durava mais de 40 anos. Foi com essa gana pelo título que o Vitória foi a campo na Fonte Nova para a final diante do Botafogo-BA. Mais cedo havia vencido por 6 a 2 o campeonato de juvenis diante do Galícia e já nos profissionais o 3 a 0 foi o suficiente para dar ao clube o seu terceiro título estadual.

Quarentinha, o quarto em pé da esq. pra dir. no quinteto de ataque que conquistou o campeonato baiano de 1953.

 Com o destaque, Quarentinha foi selecionado para jogar pela Seleção Bahiana que disputaria o Campeonato Brasileiro de Seleções. Numa das partidas preparatórias, o escrete baiano enfrentou o Botafogo em 8 de dezembro de 1953. Mais de 40 mil espectadores assistiram ao triunfo arrasador em 4 a 1 sob o time do Botafogo-RJ, foi dali que Quarentinha cruzou com seu destino. O Botafogo e o mundo lhe esperavam a partir de 1954.

Quarentinha pela Seleção Bahiana, que derrotou o Botafogo por 4 a 1. Ele é o segundo agachado da esq. pra dir. como destaca a imagem.

Quarentinha, o ídolo de João Ubaldo Ribeiro

No fabuloso time de 1953 do Vitória, estavam no ataque: Alencar, Tombinho, Ciro e Juvenal. Mas nenhum destes quatro chamou tanto a atenção do futuro escritor João Ubaldo Ribeiro quanto Quarentinha. O literato passou sua infância em Aracaju onde torcia pelo Confiança, time que só adquiriu o futebol por volta de 1949. Ainda antes de voltar pra Bahia, João viu o Dragão do Bairro Industrial ganhar o sergipano de 1951, mas não era nada comparado ao talento do futebol baiano que presenciaria em sua volta a terra natal. Mesmo sendo de Itaparica, ele até ali havia sido radicado em Sergipe, e agora em seu regresso a Bahia passara a viver em Salvador na mesma rua da Associação Atlética da Bahia, era no campo de futebol daquele clube que o Vitória treinava no início dos anos 50.

Ele conta que ali assistia aos treinos do Leão da Barra, mas não torcia para o clube ainda, até o momento em que viu um chute sem muito esforço de Quarentinha que do meio do campo atingiu o travessão. Ele conta: “Um dia eu estava passando perto do Quarentinha, na beira do campo, ele me olhou, esticou a bola pra mim e disse: “Chuta aí, campeão”. Eu pensei, que ele tinha me visto jogar em algum lugar e que me achava mesmo um campeão. Fiquei num estado que mal pude retornar o passe dele, porque a perna não obedecia. Desse dia em diante eu virei Vitória até morrer.”. Ele ainda completa: “Eu fui muito fã de Ademir (Menezes, atleta vascaíno), mas Quarentinha sempre teve um lugar muito especial no meu coração de torcedor.


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